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Showing posts from October, 2006

"Olhares"

Sento-me às vezes a ver o mundo passar. Olhar para as preocupações de quem passa, reparar que a preocupação de sobreviver é maior que a de existir, que o seu pensamento não sai de si. Poucas pessoas existem conscientemente. Dá menos trabalho existir da sobrevivência diária. Os elementos da paisagem se é que assim se podem chamar existem para quem passa apenas como obstáculos ou elementos figurativos do seu trajecto e raramente são vistos como elementos de pleno direito. Quem passa não vê, olha apenas. Olha o caminho para poder passar, olha para se desviar, olha os vultos que passam com ele mas não vê. Não vê o que faz nem porque o faz, ou se alguém passa por ele a fazer. Uma vez ou outra passa alguém que faz, que sabe e sente, mas opta por seguir despreocupadamente no rebanho para não destoar. Não o censurem, se não o fizesse era tomado por suspeito ou tornava-se em alvo de atenção geral, olhado talvez como um animal exótico. E vão todos passando... Vejo um miúdo passar com o seu cão p

"Justiça Divina"

”Deus na sua infinita justiça..." Sempre que oiço esta frase questiono-me sempre sobre o tipo de justiça aqui referida. Apetece-me dirigir para quem o diz, forçar o ar mais inocente de baralhação, levantar o indicador com uma falsa vergonha e perguntar como quem fala com uma criança de cinco anos: -Importa-se de me explicar o que é isso de "Deus e a sua infinita justiça"? Ficando a seguir a observar os esgares parvos que vêm associados ao leque de respostas prováveis: O de uma ignorância atrapalhada de quem não teve sequer elasticidade mental para questionar individualmente Deus, o infinito ou a justiça e é confrontado de uma só vez com "Deus na sua infinita justiça"; O ar doutoral de quem sabe explicar o significado lexical de cada uma das palavras e que se sente na obrigação de dizer algo profundo e filosófico; O daqueles que se viram para nós indignados perguntando - Não sabe o que é Deus e a sua infinita justiça ? que Ele tenha piedade de si- ao que eu cont

"Decisões"

Quando temos alguma decisão importante a tomar na nossa vida e não sabemos o que fazer (por um lado queremos muito fazê-lo, por outro achamos que não devemos) há uma forma fácil de tomar a decisão: imaginem-se daqui a uns dez anos a olhar para trás, para a vossa vida, perspectivando-a para cada uma das decisões que tomaram. Numa delas vão sentir alguma mágoa, enfado ou arrependimento. Essa é seguramente a decisão a não tomar. Há a tendência natural de nos deixarmos ficar parados em situações estagnadas e que não nos trazem felicidade, seja por medo do desconhecido, medo da solidão ou por habituação associado a uma falta de coragem de partirmos em busca do que é realmente melhor para nós... Temos o defeito comum de achar que qualquer que seja a decisão que tomemos, não é determinante nem definitiva; que podemos sempre adiar o que realmente queremos e ir fazendo aquilo que é esperado de nós. Mas cuidado porque isso não é verdade. Façam o exercício que referi atrás: imaginem-se daqui

"Felicidade"

Perguntem-se onde está a vossa felicidade, aquela a que sempre aspiraram. Perguntem-se quando construíram a outra que têm e o que pensam fazer com ambas. Feliz é a felicidade que é simplesmente feliz. Aquela que para ser alcançada não exige qualquer sacrifício ou imolação. Será que alguém a conhece? Para se poder ser feliz na felicidade escolhida, é necessário ter o cuidado de nunca se fazer dela uma religião sem altar. O altar é, não só o local nobre do culto para onde se canaliza o maior fervor, mas também o local em que são executados os sacrifícios. Não percam nunca o vosso altar de vista, pois assim saberão sempre o que procurar, e saberão sempre também o que estão a sacrificar ao longo da vossa vida. Os maiores sacrifícios na nossa passagem pela vida são aqueles que passam despercebidos. Aqueles que só nos apercebermos quando mais tarde lhes sentimos a falta e já não há forma de os recuperar. Qualquer vislumbre de felicidade resulta quase sempre de uma opção em que algo tem que s

Heróis

A falta de heróis é uma consequência directa da falta de valores actual. A inexistência de heróis não é real; eles existem. O que já não existe são os valores pelos quais nos possamos bater e mostrar coragem. Os poucos que o tentam, fazem-no gratuitamente, ou por qualquer ridicularia, sendo, como consequência apelidados de infantis ou inseguros. Numa sociedade como a nossa, não há espaço para heróis. Existem simplesmente pessoas, pessoas trabalhadoras, pessoas esforçadas, pessoas dedicadas e até mesmo pessoas corajosas. Mas nunca ninguém ouviu falar em “pessoas heróis”. Os heróis não são pessoas, são apenas Heróis!! Passaram a barreira de qualquer caracterização, comparação ou socialização. Para se ser herói é preciso ser-se altruísta, pensar mais nos outros do que em si próprio, a lutar por uma causa justa. Na sociedade de hoje seria um delito grave. Haver alguém que não pense só em si quebra o frágil equilíbrio da sociedade actual; Introduzir-lhe-ia um elemento tão estranho, que pela

Ridículo

Hoje, por uma razão para aqui pouco relevante, senti-me ridículo e, não sei porquê, resolvi explorar esse sentimento. Não quero fazê-lo por necessidade de o interpretar. Seria ridículo fazê-lo. O ridículo é intrínseco, não se interpreta; sente-se, não se avalia; aceita-se, não se contesta. Se se sentirem ridículos não tentem de forma alguma racionalizar esse sentimento, sob pena de não se conseguirem libertar dessa situação. O ridículo é um sentimentos resultado do espontâneo e do inesperado. É uma situação transitória que existe enquanto não aceite e assimilada. É um subterfúgio do nosso ego para não nos deixar repetir determinados erros. É o preço do amadurecimento que, por não ter sido naturalmente adquirido, teve que ser assim imposto. É necessário ter-se sido ridículo, para mais tarde realizar que só é ridículo quem na sua existência nunca foi ridículo, ou pelo menos nunca assim se sentiu. Tal como Fernando Pessoa se referia a que todas as cartas de amor são ridículas, mas qu

Quotidiano

Estou farto, cheio, saturado!!! Poderia estar a falar de comida, mas não. Falo antes de vida. Não da vida realmente vivida, mas da vida devida ao quotidiano dos outros, da vida dividida em fragmentos para acudir às necessidades e solicitações de tudo e de todos. O meu quotidiano não me assusta, assusta-me sim fazer parte do quotidiano dos outros. Quanto mais faço parte do quotidiano dos outros menos tempo tenho para o meu. O quotidiano enquanto meu é inesperado e flexível. Adaptável a mim! Ninguém consegue ser feliz se não tiver um bocadinho de tempo escondido, a que possa recorrer e roubar pequenos momentos de egoísmo solitário. Todos lutam pela felicidade da sociedade, mas não se lembram que ela passa pela felicidade individual. Experimentem negar um convite, qualquer que ele seja, dando a justificação de nesse momento preferirem estar sozinhos. Seremos imediatamente apelidados de egoístas, pedantes e anti-sociais, e teremos muita sorte se não nos pretenderem integrar numa terap